O Táxi Nº 9297
Jovem oficial do exército americano, o tenente Hair chega a Lisboa como adido militar e conhece casualmente Arsénio de Castro, que se apresenta como o ‘homem de pior fama em Portugal’... Este serve-lhe de cicerone e em breve se tornam inseparáveis, sendo convidados pelo extravagante milionário Horácio Azevedo, a passar uns dias na sua propriedade de Bretolho, onde vegeta uma extraordinária fauna social.
Tomam o táxi com a matrícula 9297, onde Arsénio pressente, por um vidro partido, que aquele automóvel fora já alvo de tragédia: efectivamente, ali mataram – em circunstâncias não aclaradas – a actriz Raquel de Monteverde, um ano atrás. E as coincidências acumulam-se: pouco depois, em Bretolho – autêntico hospital de loucos onde, num ambiente faustoso e passadista, vão encontrar reunidas personagens decadentes e devassas (como um homossexual que injecta droga, ou uma velha arrebatada) – conhecem Eva, jovem mártir da casa.
Órfã de pai e mãe, protegida do anfitrião, na realidade fazem dela dama de companhia e escrava... Mas Eva é, afinal, filha da infortunada Raquel de Monteverde, e logo atrai a atenção afectuosa do tenente Hair que, enquanto trava relações, sente criar à sua volta uma teia de confidências e suspeitas, dos convivas entre si. Para adensar essa atmosfera asfixiante, Hair descobre, escondida na cómoda do seu quarto, uma série de jornais sobre os falecimentos de Raquel de Monteverde e de outra actriz, Helena de Gusmão, igualmente em circunstâncias desconhecidas e brutais, dez anos antes... Quem será o bizarro coleccionador de tais relatos, sobre tão hediondos crimes?
Hair encontra Eva, a quem refere conhecer a opressão que a atormenta, oferecendo-lhe protecção... A jovem recusa confidenciar-se mas, pouco depois, acede: ‘Pensei muito; confio em si, porque só o senhor me pode ajudar. Dentro deste medalhão encontrará o nome do meu tirano’. Porém, alguém rouba de seguida a jóia ao tenente, durante um jogo de prendas às escuras, entre companheiros de frivolidade, para o qual – como que precipitadamente – fora requerida a sua presença.
O drama adensa-se, entretanto: Hair (que nas cenas de crise e irredutibilidade usa farda, o que adquire uma conotação exemplar) procura em vão saber quem é o monstro que amedronta Eva, esperando resgatá-la daquela casa para quebrar o feitiço desse génio do mal... Surge, porém, um efeito inesperado: alguém dispara sobre Félix do Amaral, o mais simpático dos hóspedes, que o tenente várias vezes tomara por conselheiro e colaborador.
Félix morre banhado em sangue, e Eva desaparece! Hair encontrá-la-á em casa do boémio Arsénio de Castro, onde a desditosa rapariga ousa, enfim, fazer a surpreendente revelação: ‘Matei-o porque foi ele quem torturou a minha mocidade, e assassinou a minha mãe’. Pela calada da noite e embuçado, Félix entrava no camarim da artista que, esgotada pelos maltratos, ameaçou um dia denunciar à polícia as proezas do canalha (contrabando e espionagem), assinando assim a sua condenação...
O ignóbil Félix mantinha Eva debaixo de um terror sobrenatural, até ao momento do trágico desenlace... Ela aceitara, então, o auxílio de Arsénio – que lhe queria – para fugir, porque tinha vergonha de aparecer diante do tenente Hair, a quem amava. Cavalheiresco, Arsénio de Castro decide, pois, deixar só o feliz casal, entregue a essa paixão recíproca.
(in «Fitas que Só Vistas», de José de Matos-Cruz)